domingo, 28 de março de 2010

José e agora, José?

A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,que zomba dos
outros,
você que faz versos,que ama protesta,e agora, José?
Está sem mulher,está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia e tudo acabou
e tudo fugiu e tudo mofou,e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora?
Com a chave na mão quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocassea valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuroqual
bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nuapara se encostar,
sem cavalo preto que fuja a galope,
você marcha,
José!José, pra onde?

Carlos Drummond de Andrade

Curiosidade a respeito:
Na noite em que foi noticiada a morte de Carlos Drummond, no Jornal Nacional, no dia 17 agosto de 1987, Cid Moreira encerrou o JN de pé, declamando o poema José, o acontecimento ficou conhecido como "O dia em que Cid Moreira se levantou".

Um comentário:

  1. Oi Francini é a patricia.... está aí uma curiosidade que não sabia a respeito
    Eu me lembro quando cid estava ainda no Jornal Nacional não vou também esquecer o "boa noite" dele ...

    bjo da Pathy

    Se quizer entrar no meu é só acessar http://pathy-fenix.blogspot.com

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